sábado, 1 de janeiro de 2011

Uma Mensagem Secular de Ano Novo


Encontrei recentemente um texto secular fantástico de fim de ano. Disponibilizo ele aqui para os interessados e credito, devidamente, ao site Bule Voador e aos autores Pedro Almeida, Eli Vieira e Alexandre Marcati. Um feliz ano novo a todos, que esse seja um período repleto de lucidez, secularidade, cultura e ceticismo.


Uma Mensagem Secular de Fim de Ano

Há mais de cinco mil anos, muito antes de um homem em especial ter nascido no oriente médio, o fim de dezembro é comemorado como um rito de passagem e renascimento por povos em todo o mundo.

O solstício de inverno, no norte, era celebrado há milênios pelas mais diferentes tribos, nações, culturas e religiões que a diversidade da natureza humana já produziu. Uma festa que sempre uniu famílias, amigos e afetos, e tem sido comemorada desde a alvorada da civilização no Velho Mundo, para nos lembrar que, mais uma vez, o ano se finda e tivemos a oportunidade de aproveitá-lo da melhor forma que nos é possível.

Seja nas comemorações pagãs do renascimento das divindades solares – Mitra para os hindus, Horus para os egípcios, Sol Invictus para os romanos, entre outros – ou nas manifestações que representavam a iluminação de Buda pela passagem do solstício, ou até mesmo na adaptação cristã mais recente para a data, o Natal de 25 de dezembro, o fim de ano é uma data que conjuga uma imensa bagagem não somente histórica, mas também humana.

É hora de repensar o futuro que queremos e planejamos, tomando como condição de contorno o passado, o ano que termina; de pesar positivos e negativos, recolher-se à admiração do fenômeno que é a vida e celebrar que o mundo de hoje é melhor que o mundo de ontem, ou, se não for, que pelo menos tentamos fazê-lo desta forma, e não desistiremos disto, pois é da natureza humana evoluir.

Por isto, considere o que há de bom e o que há de ruim na sua vida. Reconheça que as coisas boas são fruto de trabalho e dedicação e que as coisas ruins podem, sim, ser melhoradas, principalmente com mais trabalho e dedicação.

Lembre-se de que errou, mas que também acertou, e que se arrependeu dos erros. Tenha certeza de que não há mal nato em ser humano, pois não poderia ser diferente, e que a culpa por si só não te previne de errar novamente. Trabalhe para que os erros sejam corrigidos, e não lamentados.

Pratique a empatia: ponha-se no lugar do próximo, e não faça aos outros aquilo que não quer para si. Seja solidário e gentil, companheiro e compreensivo. Perdoe os erros, quando honestamente reconhecidos.

Seja tolerante: aprenda a compartilhar as igualdades com alegria, mas também a respeitar e celebrar as diferenças inerentes dos seres humanos, que tornam cada um de nós único e insubstituível.

Questione o senso comum, diariamente: das tradições, superstições e ideias mais tenazes aos preconceitos mais arraigados, estando disposto a se levantar contra as incoerências e injustiças. Crie ideias próprias, lógicas, saudáveis e coerentes. Mas esteja também aberto a discordarem de você, valorizando a discussão, e não o conflito.

Aplique a racionalidade, a faculdade que mais lhe diferencia dos demais animais, para tomar as atitudes e posições mais sensatas, e não aquelas baseadas única e exclusivamente em dogmas e premissas imutáveis. Modele sua visão do mundo de acordo com os fatos, e não os fatos de acordo com sua visão de mundo.

Não deixe lugar para o egoísmo e mesquinharia intelectual. Há males terrenos piores que qualquer danação eterna, pois prejudicam seu próximo, aqui e agora. Antes de sair pedindo por vida nova, prometa a si mesmo mudanças para melhorar o mundo em que vivemos e busque a convivência pacífica entre os seres, humanos ou não. Respeite não somente o próximo, mas a Natureza, pois dela viemos e a ela retornaremos.

Aprenda a conviver com a incerteza e a dúvida saudável. Pergunte-se se verdades e respostas absolutas são mesmo o caminho para achar sentido na vida. Nada de sobrenatural daria à sua vida um sentido mais amplo e concreto do que o significado que você mesmo dá a ela, em todos os dias em que realiza algo que lhe dá prazer ou em que compartilha momentos com quem ama. Aproveite cada momento como o último, responsavelmente, pois nada lhe garante que exista algo além do que temos aqui.

Descubra que seus credos são pontos de vista dignos de espaço tanto quanto os credos de outrem, ou mesmo tanto quanto a descrença. Portanto, neste Natal, não importa no que você acredita, acredite em ligar para aquele velho amigo; acredite na boa vontade independente de crenças; acredite em não descer ao nível daqueles que quer ver punidos; acredite na cooperação por um futuro melhor; acredite no amor em qualquer uma de suas formas.

E acredite na liberdade de acreditar, porque somente tendo livre acesso a qualquer tipo de crença é que você terá a oportunidade de escolher, dentre todas as possíveis, aquelas que trarão soluções para a sua vida e a vida de seus semelhantes – pazes e amores, e que sejam os melhores possíveis.

Texto de Pedro Almeida, Eli Vieira e Alexandre Marcati.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Auto-mutilação e falta de diálogo


Imagens como essa falam por si só. Religião sendo levada a seus extremos por um garoto que pouco deve conhecer sobre racionalidade e que foi, com efeito, provavelmente alienado por uma crença fundamentalista e pouco racional. Com essa imagem e esse pequeno texto gostaria de colocar em pauta um assunto por vezes pouco discutido no Brasil, qual seja, a irracionalidade e os perigos gerados pelas religiões.

O debate sobre a credibilidade da religião no país é ainda como a presença daquele grande elefante na sala, um incômodo como foi as discussões sobre sexo nas décadas passadas. Mas por que tudo isso? Por qual motivo discutimos política, falamos sobre futebol e debatemos a respeito de gostos musicais, mas, quando o assunto é crenças religiosas o campo torna-se mais arriscado e a discussão murcha? Qual a diferença em dizer "prefiro os filmes de Kubrick aos de Scorcese e detesto os de Jodorowsky, que são experimentais demais para meu humilde gosto cinematográfico" e perguntar "por que você acredita em Jeová e não crê em Thor, Odin, Osiris, Zeus? Por quais motivos é conveniente crer em entes tão improváveis como deuses?". A diferença, talvez, resida no fato de que discutir religião tornou-se um tabú tão forte que, caso alguém o faça, essa pessoa estará, automaticamente, proferindo uma ofensa à crença do outro e será vista como alguém desrespeitoso e mal-educado. Contudo, esse relativismo é capenga demais. Afinal, qualquer um pode sentir-se ofendido ao ter uma música que gosta, ou então, um filme muito querido criticado. A religião deve ser debatida de forma racional, como se fosse um assunto qualquer e não como um conteúdo restrito, blindado a críticas. Partindo desse pressuposto, alguns aspectos das doutrinas religiosas, como o extremismo da auto-mutilação, da flagelação e das diversas mortes causadas em nome de crenças fanáticas devem estar em pauta, caso queiramos construir uma sociedade mais humanista.

Pergunto-me até que ponto essas práticas extremadas são sadias ao corpo e à mente dos praticantes. É claro que é direito inviolável do homem a liberdade de poder fazer o que bem entender consigo mesmo desde que essas atitudes não impliquem em danos a terceiros. Caso a mutilação seja um desejo individual, então, a liberdade de ir e vir assegura ao praticante o direito à auto-flagelação. No entanto, apesar de a liberdade ser inalienável, os adeptos de rituais religiosos extremos, majoritariamente, estão imersos em uma cultura que prima pouco pelo racionalismo e que são, freqüentemente, fundamentadas em práticas religiosas antigas. É aí que a situação torna-se mais complicada. Os que cresceram em locais nos quais a auto-mutilação corporal é algo comum, certamente tiveram pouco contado com o secularismo, o racionalismo e foram moldados, involuntariamente, de acordo com os costumes locais. O ponto que ressalto aqui é a infeliz falta de opções dos moradores dessas comunidades praticantes de extremismos religiosos, os quais, talvez, caso fossem menos influenciados pelos valores da comunidade, não seriam favoráveis à auto-imolação. Uma pessoa ciente das implicações de seus comportamentos e atitudes é bastante diferente de um indivíduo ignorante das práticas diferentes das suas e inocente quanto às conseqüências de suas atividades culturais.

A discussão sobre religião torna-se, então, muito conviniente. Seja com o objetivo de informar aqueles que desconhecem os preceitos distintos de suas culturas, seja com o intuito de promover o humanismo e o secularismo; os debates religiosos devem sair do obscurantismo e passar ao casual, como é feito nas conversas a respeito de futebol, música e cinema. Ademais, a criticidade é fundamental caso objetivemos o desenvolvimento de uma sociedade menos irracional, menos marcada pelo fundamentalismo religioso e por práticas extremadas como a auto-mutilação.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Rio, drogas, Tropa de Elite e Olimpíadas


Depois de quase um mês sem publicar nada, escrevo hoje um pouco sobre a violência no Rio de Janeiro, o tráfico de drogas, Tropa de Elite e a respeito das Olimpíadas de 2016. Comecemos com uma pequena análise do cérebro humano e a tremenda vulnerabilidade que esse órgão de 1,4Kg tem, apesar dos milhões de anos de evolução, a certas substâncias entorpecentes. A realidade bioquímica a que nosso encéfalo está exposto é complexa, porém, grosseiramente, é possível dizer que tudo o que sentimos, seja dor, seja ansiedade ou prazer; está diretamente condicionado aos diversos neurotransmissores a que nosso córtex cerebral é submetido. Serotonina, dopamina, noradrenalina são apenas alguns dos muitos nomes de substâncias capazes de conduzir o impulso nervoso de um neurônio ao outro e, indiretamente, comandar nosso humor, nossos desejos, nossas angústias. Drogas psicoativas podem ser estimulantes como a cocaína, que levam o usuário a estados de euforia ou então alucinógenas como o LSD, que atua desequilibrando o balanço dos neurotransmissores, destruindo o equilíbrio criado por experiências pessoais e reativando lembranças já esquecidas, muitas das quais seriam traumáticas demais para se ter qualquer recordação. Em síntese, são substâncias que instauram o caos em uma peça de ballet hormonal, cuidadosamente planejada com base em anos de vivência.

Agora, depois dessa análise simples a respeito da vulnerabilidade do cérebro humano quanto às drogas, as atitudes proibitivas do Estado no que tange os narcóticos seriam, com efeito, justificáveis sob o ponto de vista biológico. Contudo, creio que analisar os fatos sob a ótica biológica é ser simplista demais. Existem questões sociais, civis e de ordem econômica que inclinam-me quanto a ser favóravel à legalização das drogas e que, mesmo sabendo de nossas fraquezas bioquímicas, fazem-me contestar afirmações contrárias a insticionalização do comércio de entorpecentes.

A premissa maior de que parto é a de que deve haver limites para a interferência do Estado na vida das pessoas. O que digo é que é irracional demais a existência de um contrato social no qual o Governo arbitra sobre o que um cidadão pode ou não ingerir e que, a liberdade de ir e vir e de se dizer o que pensa devem ser prerrogativas invioláveis. No mais, distante dessa convicção filosófica, há também questões sociais e econômicas que devem ser pensadas.

O tráfico de drogas é, como o comércio de qualquer substância ilegal, altamente rentável. Os gastos exorbitantes do Estado para combater o tráfico, como é feito hoje no Rio, não só serve para elevar o preço da droga e gerar mais dividendos para os traficantes, mas também funciona como alimento para a milicia corrupta, brilhantemente retratada em Tropa de Elite 2. Foi estimado, por um estudo acadêmico citado na Folha que a indústria da droga empregue 16 mil pessoas na cidade do Rio de Janeiro (mais do que a Petrobras) e movimente R$ 633 milhões anuais (mais do que o setor têxtil do estado). Assim, com lucros tão vultuosos, não é de se espantar não só o número de jovens que dão suas vidas pelo tráfico, em busca de uma fonte de renda fácil, como também a tentativa de nossas "empenhadas" polícias de abocanhar um pedaço desse mercado.

A legalização das drogas seria, nesse caso, uma forma não de acabar com todo tráfico (atitude praticamente impossível), mas de minar e reduzir os dividendos gerados pela venda de entorpecentes. De mais a mais, haveria também queda do número de policiais corruptos e a redução dos gastos estatais com repressão. Parte dos tributos arrecadados com a venda dos narcóticos (uma empresa estatal, uma Narcobrás, teria que ser criada para administrar o comércio), assim, poderia ser destinada ao auxílio de dependentes químicos que buscam reabilitação e o elevado contingente de viciados passaria de criminosos para doentes, agora tratados como problema de saúde pública.

Outro empecilho criado pela criminalização das drogas é a violência que assola os morros e que vitima pessoas completamente alheias ao tráfico. O cenário dantesco exposto pela mídia nos últimos dias serve como reflexo claro da violência extremada que a polícia é capaz de cometer, em nome da ordem e do zelo pela segurança nacional. O que assistimos recentemente foi um verdadeiro "Tropa de Elite 3", uma invasão do morro extremamente desumana, na qual os criminosos foram ora massacrados, ora executados. Não defendo traficante e não sou favorável às práticas dos comandantes dos morros, mas ouso dizer que o que as UPP fizeram foi pura carnificina. Independentemente de ser bandido ou não, ser humano nenhum merece morrer de costas e desarmado. O que o BOPE fez na favela não foi nem aplicação de pena de morte, foi execução pura e simples, sem direito a julgamento algum, como se o ser humano fosse nada mais que um animal a ser abatido. Várias pessoas estão no tráfico não por escolha, mas por falta de opção e por descaso do Estado, que além de oferecer poucas oportunidades para os moradores dos morros, os oprime de forma violenta, invade e destrói a casa dos alheios ao tráfico.

O que vejo nisso tudo é a vontade desesperada do governo fluminense em mostrar serviço e preparar o estado para receber a copa e, futuramente, as Olimpíadas. Questiono-me se isso tudo surtirá efeito e se, em 2016, a cidade do Rio tornará-se, realmente, maravilhosa. Pergunto-me também até quando os problemas sociais evidentes que assolam os morros serão tratados com descaso pelo Estado e até quando obras de infraestrutura serão postergadas. Há um dilema, uma enorme incerteza quanto ao preparo do Brasil para os eventos internacionais futuros.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Arquétipo artificial

Com o advento da cirurgia plástica e o barateamento desse processo estético, tornou-se lugar-comum, na sociedade contemporânea, o hábito de moldar o corpo humano. Desde procedimentos simples como o branqueamento dos dentes, até práticas mais elaboradas e ortodoxas como a remoção de costelas para o afinamento dos quadris, as pessoas almejam obterem um fenótipo diferente dos seus, uma fenocópia que adeque-se aos padrões de beleza vigentes. Contudo, é frequente também o descaso ou a ignorância dos pacientes que desejam mudar seus corpos, pois são, majoritariamente, indivíduos míopes quanto às complicações que intervenções cirúrgicas podem trazer não só a sua condição física, mas também a sua auto-estima.

Transtornos como anorexia e bulimia, por exemplo, motivam pessoas de peso adequado a realizarem procedimentos cirúrgicos invasivos, como operações para redução de estômago, sem qualquer motivo aparente. Ademais, soma-se ao desespero do paciente anoréxico por fazer uma cirurgia desse porte, o espírito capitalista e inconsequente de alguns médicos, que aprovam, não poucas vezes, a atitude de garotas que sofrem de transtornos alimentares, enebriadas por seu quadro clínico. Cirurgias, por serem atividades delicadas que, frequentemente demandam que seja aplicada anestesia geral, não devem ser efetuadas ao bel prazer do paciente, mas devem sim ser feitas em último caso, quando não houver mais opções ao tratamento da doença, como é o caso de angioplastias, cateterismos, colocações de marca-passo, etc.

Amantes de plásticas, nesse caso, por contrariarem a literatura médica e arriscarem-se a cirurgias complicadas apenas por vaidade, parecem desprovidos de bom-senso. Não é sabido arriscar a própria vida por tendências de modas efêmeras, que não duram mais que uma geração e que podem, fatalmente, gerar consequências nefastas não só para o corpo, mas também para a auto-estima dos pacientes. Afinal, quem é que nunca soube de casos de cirurgiões plásticos, dotados de pouco talento, que deixaram cicatrizes irreparáveis no corpo de adolescentes ou até mesmo, por descuido, as mataram, como foi o caso do Dr. Hekel, médico desta cidade de Uberaba. Ademais, é conhecido como as tendências estéticas são mutáveis e como variaram durante as várias eras da existência humana; haja visto o padrão de beleza clássico, por exemplo, no qual mulheres obesas eram sinônimo de idolatria, em contraste com o arquétipo magro da mulher contemporânea.

Por fim, é fato que a cirúrgia plástica e a preocupação estética pessoal, se vistas sob uma ótica ponderada e sadia, são construtivas ao homem. Seja com a reconstrução facial de acidentados para posteriormente reinserí-los na sociedade, seja com a pesquisa dos genes responsáveis pelo envelhecimento corporal humano, a medicina avança no sentido de proporcionar conforto e longevidade àqueles que almejam uma qualidade de vida melhor. A ciência, assim, apesar dos contra-tempos gerados pelo mau uso da cirúrgia plástica e pelos ditames da moda contemporânea, é benéfica para os que buscam o bem-estar físico e mental.

Na sociedade atual, portanto, as pessoas são, não raramente, tão inocentes quanto aos riscos em potencial proporcionado pelas cirúrgias plásticas e cegas quanto à efemeridade da moda a ponto de submeterem-se a processos cirúrgicos, por vezes invasivos, com o intuito de adequarem seus atributos físicos aos ditames efêmeros vigentes. Soma-se a isso os problemas acarretados por operações mal-sucedidas, que podem estigmatizar fisico-psicologicamente esses pacientes aventureiros, que buscam, invariavalmente, formas de inserirem-se na sociedade moldada pela moda.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Peleguismo educacional


O ENEM desse último fim de semana têm causado um tremendo reboliço. Seja com os problemas das provas amarelas, seja com a inversão das disciplinas no gabarito e o despreparo dos fiscais, muitas vezes inocentes quanto às regras do concurso, o Exame Nacional do Ensino Médio, novamente, mostrou-se um fiasco. Apesar de Fernando Haddad insistir em manter o último exame em voga, o ministro da educação parece míope quanto aos parcos atributos da educação brasileira e insistente no que tange um modelo de prova pouco promissor aqui, dado que o ensino brasileiro é ainda precoce demais para aportar propostas tão ambiciosas quanto as do novo Enem. Não foi sagaz mirarmos em países mais desenvolvidos que o nosso, dotados de níveis educacionais muito superiores e tentarmos clonar modelos de exame que não condizem ainda com o perfil do contingente discente brasileiro. Assim, ouso afirmar que, caso não façamos uma reforma drástica na educação, principalmente na base do ensino, não teremos maturidade suficiente para fazermos um ENEM digno de louvor, um exame seletivo que prime, de fato, pelo entendimento do conteúdo em detrimento da memorização.

Como estudante a algum tempo, pergunto-me se isso tudo vai mudar. Indago-me se meus filhos e netos vão ter ainda que passar pelo que passo, se vão ser lecionados por professores mecânicos, que conhecem, na maioria das vezes, somente suas disciplinas e que têm uma visão tão estreita do mundo ao ponto de tratarem as demais matérias como menos importantes; um conceito obtuso, haja visto que, majoritariamente, esses docentes desconhecem os campos do ensino distintos dos seus. Questiono-me se meus descententes vão ter que aprofundar tanto em trigonometria caso almejem uma carreira em biomédicas, se terão de estudar ciências sem saber ao certo quais são os princípios do método científico, ou então serão obrigados a absorver o conhecimento sobre evolução sem, de fato, compreender a beleza e a sutileza do processo evolutivo. Sinceramente, preocupo-me com a imutabilidade do ensino brasileiro e com número de colegas não-leitores que tenho, desprovidos de curiosidade e de sede pelo conhecimento e penso ainda que isso tudo seja talvez reflexo da educação que tivemos, deficitária em diversos aspectos.

Afirmo que tive poucos professores inspiradores, capazes de transformar conhecimento em poesia e que fui ensinado, principalmente, por pessoas maquinistas, com uma visão restrita da inter-relação entre as disciplinas básicas. Conheci poucos docentes que passaram documentários em sala de aula, que promoveram bons debates posteriormente sobre o filme e que foram capazes de citar fontes variadas para os curiosos pesquisarem e extraírem mais conhecimento sobre o assunto. Pelo contrário, foi lugar comum em minha vida estudantil o mesmo ambiente escolar enfadonho, sempre marcado pelas aulas tradicionais com o professor lecionando no quadro negro e os estudantes, bovinamente, fazendo suas anotações e fingindo que estão aprendendo.

Não sou pedagogo para dizer qual a melhor forma de reformar nosso ensino, mas digo por experiência própria que uma reforma deve ser feita urgentemente, uma reformulação principalmente no que tange a formação do professorado. Ademais, parece que tornar-se docente no Brasil está fácil demais, principalmente caso o dotado de licenciatura deseje trabalhar na rede públia, cujo crivo é bem menos seletivo que o da rede privada. Talvez uma melhor remuneração dos docentes resolva parte do problema, pois com o aumento salarial é possível haver maior oferta no mercado de trabalho e, consequentemente, mais opções para os empregadores. Contudo, creio que faz-se necessário também a melhor formação dos que desejam tornarem-se professores e maior incentivo à leitura por parte do Governo nas escolas não só públicas, mas também nos colégios privados. Seria racional que o Estado realizasse medidas capazes de reduzir o preço do livro impresso.

Em síntese, para que o ENEM seja administrado de forma racional e que o exame seja vantajoso, é primordial, primeiramente, uma reforma no ensino brasileiro. Não adianta desejarmos um modelo de prova que privilegie o entendimento e abomine a memorização se nosso ensino básico ainda prima pela alienação. Uma mudança nas diretrizes dos parâmetros curriculares das escolas em conjunto com a melhor remuneração e qualificação do professorado talvez seja uma das maneiras de se solucionar, parcialmente, o problema.

domingo, 31 de outubro de 2010

Fatos e inverdades


Fim de eleições, momento oportuno, portanto, para discutir um assunto deveras natural: mentiras. Propagar inverdades não é uma característica inerentemente humana, pelo contrário, ao observar-se a natureza, torna-se trivial a citação de exemplos que ilustram o quanto a Evolução favoreceu organismos mentirosos. A mentira está em toda parte: vírus enganam o sistema imunológico de seus hospedeiros, plantas dissimulam para livrarem-se de seus predadores, animais blefam para conseguir alimento. Mentir está praticamente inscrito no DNA.

Apesar de práticas inverossímeis ser lugar-comum no mundo natural, é o homem, artista maior, o capacitado de pronunciar maior número de inverdades para favorecer-se em situações diversas. Alguns estudos sugerem que bebês de seis meses já são capazes de simular choro para atrair a atenção de seus pais e que, em uma mera conversa de dez minutos entre adultos, são pronunciadas não menos que três mentiras por parte de cada um inserido no diálogo. Mas por que fazemos isso? Por que temos tamanha predisposição em não dizer a verdade?

Das pintas do leopardo à camuflagem do camaleão, a natureza rescende a engodo. É evolutivamente vantajoso faltar com o que é factual. Seja com mentirinhas inofensivas, como elogiar a comida de uma anfitriã, seja com práticas mais ardilosas como mentir por auto-promoção, falsificar os fatos proporciona ao homem vantagens psicológicas para lidar consigo mesmo. O bom e velho autoengano é, nesse caso, uma ferramenta poderosa para o ser humano continuar com seu cotidiano, serve como acalento para suas desilusões amorosas, para suas crenças religiosas, para seus momentos de desespero e de perdas materiais. É mais fácil mentir que encarar os fatos.

Estamos sedentos para crer em uma vida após a morte, em um consolo para a efemeridade de nossa existência, em um significado maior para nossa estada na Terra e, frequentemente, estamos dispostos a apelar ao sobrenatural para explicar nossos porquês existenciais. O autoengano, contudo, apesar de faltar, comumente, com a verdade, foi fundamental para nossa sobrevivência. Cientistas estudiosos de casos depressivos, por exemplo, chegaram a conclusão de que pessoas que fazem uma avialiação realista demais de si mesmas, são mais propensas a manifestarem quadros de depressão. Além disso, evolutivamente, nossos cérebros estão muito propensos a aceitar como verdade quaisquer declarações que cheguem até nós e, apesar de, na maioria das vezes elas serem mesmo verdadeiras, seria muito custoso para nossa espécie duvidar de tudo que ouvimos. Psiquiatras classificam como paranóicos indivíduos que duvidam até de sua própria sombra.

A mentira é, portanto, um costume comum não só entre nós, ditos racionais, mas também no mundo natural como um todo. Nossas inverdades, apesar de mais ardilosas que a dos demais organismos, não nos torna distintos dos outros animais, das plantas, dos protozoários, das bactérias, dos vírus, mas ilusta nossa insegurança quanto a assuntos desconhecidos e servem como ferramentas para nosso consolo.

domingo, 17 de outubro de 2010

Por que voto em Dilma Rousseff


A primeira razão que me faz votar na canditada do PT é o fato de não ser simpático ao PSDB. Seja com FHC e seus programas de privatizações, seja com José Serra e sua não-discussão a respeito da tributação regressiva, ambos tucanos primam por um governo com propostas de caráter elitista, que negam a realidade brasileira. O PT de Lula, ao contrário, mostra o quanto a sigla dos trabalhadores é mais madura e enxerga os empecilhos de nosso país. Afinal, foram 21 milhões de brasileiros que deixaram a miséria e outros 32 milhões que ascenderam a classe média, números pouco menores que a somatória da torcida do Flamengo e do Corinthians. Só para não parecer cabeça-de-planilha, é bom ressaltar que isso representa uma queda de quase metade da pobreza no Brasil. Alguns podem estar se perguntando "mas não seria melhor se a miséria tivesse sido erradicada?". Claro que seria, mas o problema é que 8 anos é muito pouco tempo para solucionar um problema que aflinge o país há séculos. Assim, seja durante o perído colonial, no qual a sangria do país era feita por Portugal por meio do Pacto Colonial, seja durante a Repúblia Oligárquica, quando a concentração fundiária brasileira foi consolidada, a desigualdade social foi construída muito cedo em nosso país e não é possível, em um curto governo, que esses empecilhos seculares sejam resolvidos. Além disso, ouso afirmar que um voto a favor de um candidato tucano serve como apoio à desigualdade da destribuição de renda, como suporte a tributação relativa em menor grau para os mais ricos e o aumento da massa de miseráveis que ainda assola o Brasil.


Algumas pessoas negam os fatos ao chamarem o governo Lula de assistencialista e populista. Caso assim seja, o assistencialismo torna-se o primado de qualquer governo europeu, que por excelência, tem uma política de Estado mínimo capacitada de garantir educação para todos, de assegurar um programa de saúde efetivamente qualificado, de oferecer moradia para os menos capacitados, etc. É complicado apoiar os governos europeus, que regem seus países por meio da melhoria da qualidade de vida dos menos favorecidos, e taxar o governo petista como assistencialista, com uma política paternalista demagógica. Ademais, é conveniente também ressaltar que o conceito de populismo pode ser pouco aplicado ao Brasil de hoje. Governos populistas, como foram os de Vargas, Perón e Cárdenas relizaram políticas nacionalistas de substituição de importações, estatização de atividades econômicas, imposição de restrições ao capital estrangeiro e eram caracterizados por um culto a personalidade do presidente. Lula, contudo, apesar de ter um índice de aprovação governamental que beira os 80%, não freou o capital internacional, não estabeleceu um vínculo emocional e não-racional com o povo (as estatísticas de desenvolvimento provam bem isso) e não promoveu passeatas, desfiles nos quais cartazes gigantescos com sua foto seriam símbolos de idolatria pela classe operária. Chamar o governo petista de populista, portanto, é negar a definição histórica de populismo político.

Agora que falei tanto de Lula e praticamente nada de Dilma, alguns devem estar se perguntando: "isso tudo o que você disse foi o governo do atual presidente, como uma candidata com um histórico político tão pobre, sem carisma e expressivdade alguma, pode garantir o desenvolvimento de nosso país?". Combato esse argumento lembrando que é inocente demais afirmar que, em nosso país, a figura do presidente é preponderante e de suma importância, a ponto de ofuscar os demais poderes. Convém lembrar que vivemos em uma democracia e não em uma ditadura, que nosso governo possui, graças a Montesquieu, três poderes e que o legislativo exerce papel fundamental em uma instituição democrática como a nossa. Assim, rogo do pressuposto de que, por a câmara alta e baixa do Congresso estar, atualmente, repleta de representantes da base aliada do PT, o governo de Dilma não será solitário, mas apoiado pela maioria dos constituintes dos demais poderes. De mais a mais, dizer que Dilma é a sombra de Lula parece negligenciar o fato de que a candidata, como ministra, acompanhou de perto o governo lulista e que, no mínimo, apoiou tudo o que o atual presidente fez, seja quando alavancou o consumo interno, por meio da redução do IPI, e assegurou que o Brasil não fosse afetado fortemente pela crise imobiliária norte-americana, seja com o fato de nós termos nos tornado não mais devedores, mas credotes do FMI. Não nos esqueçamos também que Dilma tem uma trajetória singular, como também tiveram FHC e Lula, visto que foi guerrilheira, torturada durante a ditadura e lutadora a favor de um governo democrático.

Por último, a candidata petista tem meu voto pelo programa do PT no que tange o ensino universitário. É inegável que FHC, durante seu governo neoliberal, fez com que brotassem várias instituições privadas de ensino, muitas destas sem qualidade alguma, que podem ser caracterizadas como verdadeiros negócios oportunistas. Então, acho racional, como uma pessoa que almeja a vaga em uma universidade pública de qualidade, o apoio ao governo petista, que nos últimos anos investiu massivamente nas instituições públicas de ensino. Lula, por exemplo, teve papel fundamental na criação de universidades como a UFTM, UFABC, UFT, UNIFAL, unipampa, etc. Creio, portanto, que seria mais construtivo, como estudante, que o próximo governo continuasse a investir largamente em educação de qualidade, que aumentasse o número de instituições de ensino superior públicas, que gerasse maiores oportunidades de acesso à educação para aqueles com baixa renda e que fomentasse práticas como aumento salarial para professores da rede pública. Acredito, também, que proposta tucana nenhuma é capaz de satisfazer o que almejo e que um governo que prime pelo continuísmo do atual é, no mínimo, melhor que a manutenção das elites no poder.