
Depois de uma semana sem internet, ou seja, quase morto, venho comentar um pouco a respeito do absurdo Projeto de Lei (PL) 478/07, mais conhecido como Estatuto do Nascituro. Basicamente, o irracional PL propõe a igualdade do direito à vida entre seres já desenvolvidos, leia-se as progenitoras dos embriões, e organismos que possuem ainda apenas potencial vital, ou seja, os conceptos, e indiretamente cria empecilhos não só de ordem ética e moral, mas também de caráter científico. O estatuto restringe o acesso de mulheres grávidas ao aborto terapêutico e a uma série de tratamentos de saúde, impede as pesquisas com células-tronco embrionárias e pode, mais absurdamente criminalizar gestantes por atos simples como a realização de trabalhos domésticos. Além disso, o Projeto de Lei, que felizmente ainda não passou pelo Congresso e pode ser vetado pelo presidente (ou mais provavelmente presidenta), desenvolve a surreal idéia de que um embrião fertilizado "in vitro", mantido em uma clínica de fertilização, merece proteção igual ou maior que uma pessoa já nascida. Nossos legisladores, mais uma vez, mostram-se desprovidos de qualquer capacidade cognitiva, de bom senso, lucidez e fazem-nos, por meio de um PL como esse, refletir a respeito da situação política vigente, repleta de propostas esdrúxulas e irracionais que podem de fato entrar em vigor em nosso país e agravar não só a situação das mulheres brasileiras, mas também dos profissionais da saúde. Coloco aqui alguns excertos do Wordpress "contra o estatuto do nascituro (http://contraoestatutodonascituro.wordpress.com/)" e ao fim do post o link para a petição eletrônica contra o projeto.Proibição do aborto terapêutico e restrição da gestante a tratamentos de saúde contra doenças como o câncer: O Art. 4º do PL diz que o nascituro deve ter assegurado, com ”absoluta prioridade”, entre outras coisas, seu direito à vida, à saúde e ao desenvolvimento. ”Absoluta prioridade” significa prioridade sobre qualquer direito de qualquer pessoa, inclusive os da mulher que o carrega. Isso significa que a gravidez não pode ser interrompida mesmo que ameace a saúde da gestante, pois a ”vida” do feto tem prioridade sobre a saúde da mulher. Como o Art. 5º do projeto determina que qualquer ”violência” contra o nascituro será punida na forma da lei, um tratamento de saúde que ameace a continuidade da gravidez pode ser considerado ilegal, com a consequente punição dos profissionais responsáveis por ele e da paciente. Quando os abortos terapêuticos foram proibidos na Nicarágua, em 2006, os profissionais de saúde passaram a trabalhar com tanto medo de persecução penal e perda das licenças profissionais, que a consequência foi que gestantes tornaram-se incapazes de ter acesso a tratamentos como quimioterapia, radioterapia, cirurgia cardíaca e até mesmo analgésicos, pois tudo isso pode afetar o embrião ou feto. O medo de participar em um processo de abortamento (espontâneo ou provocado), mesmo que seja para interrompê-lo, é tão grande que mulheres com hemorragia simplesmente não recebem atendimento médico. Segundo a organização internacional Human Rights Watch, só no primeiro ano de legislação proibitiva, 82 mulheres morreram. Na página ”Como a proteção ao nascituro está matando mulheres na Nicarágua” você pode conhecer casos como o da mulher nicaraguense com câncer no cérebro que passou um mês jogada em um hospital sem receber quimioterapia ou alívio para sua dor. No link á direita desta página, você pode ler o relatório Over Her Dead Bodies (Por Cima de Seus Cadáveres), elaborado pela Human Rights Watch sobre a situação naquele país.
Criminalização de mulheres grávidas e do aborto espontâneo: Em países com legislações que punem atos contra o nascituro, como os EUA, mulheres grávidas são tratadas como criminosas em potencial. Em alguns Estados, elas podem ser investigadas e processadas se consideradas responsáveis por atos que ameacem o feto. Em outros, podem ser internadas contra sua vontade em hospitais, mesmo que a existência de filhos pequenos ou a necessidade de trabalhar tornem a estadia extremamente desaconselhável. Em alguns lugares, podem ser condenadas por homicídio se consideradas responsáveis pelo nascimento de um bebê natimorto. Na página ”Como a proteção ao nascituro gera violações aos direitos de mulheres grávidas’, você pode ler casos como os da mulher grávida investigada pela polícia por ter caído nas escadas, o da mulher internada à força em um hospital após recusar-se a passar 03 meses longe de seus filhos, e perder seu emprego) e o da jovem de 15 anos acusada de homicídio quando deu à luz um natimorto.
Essa lei criminalizaria principalmente mulheres pobres por não ter acesso a informação e a uma rede de apoio adequada. Talvez fazer trabalhos domésticos pesados, carregar crianças no colo, andar de moto ou de bicicleta, apenas para citar alguns exemplos, não sejam os atos mais recomendáveis para uma mulher com uma gravidez de risco. Mas muitas vezes não existe alternativa para a mulher que é pobre, mãe solteira, não pode deixar de trabalhar e não tem ninguém que possa cuidar de sua familia, ou que possa fazê-lo permanentemente. Embora algumas gestações exijam que a mulher faça pouco ou nenhum esforço, o repouso absoluto não é uma opção para a grande maioria das mulheres brasileiras. E nenhuma mulher deveria ser punida por tentar prover sua subsistência e a de sua família.
Mesmo quando o ato é claramente prejudicial, como o fumo ou o uso de drogas, a criminalização do comportamento da mulher durante a gravidez é desaconselhada por todos os organismos de saúde que já conduziram estudos sobre o tema. Nos EUA, onde gestantes podem ser presas e perder a guarda dos filhos por uso de drogas durante a gravidez, algumas cidades chegam ao cúmulo de conduzir testes toxicológicos em todas as pacientes que chegam ao hospital para dar à luz ou buscando cuidados pré-natais. Se é descoberta a presença de drogas no organismo, a polícia é chamada e a mulher é imediatamente presa (algumas ainda sangrando devido a complicações do parto). A Associação Americana de Saúde Pública, Associação Médica Americana, e o Conselho Nacional de Uso de Drogas e Álcool são contra a persecução criminal de gestantes por uso de drogas, já que numerosos estudos comprovam que tal política evita que as mulheres procurem cuidados pré-natais e tratamento contra a dependência, causando muito mais mal a sua saúde e à do feto.
Existe ainda o problema de determinar exatamente o que foi responsável pela ”violação ao direito do embrião”. Há que se perguntar se é sensato submeter uma mulher que acabou de passar pela experiência traumatizante de um aborto espontâneo (evento que pode ocorrer em cerca de 25% das gestações) a uma investigação para determinar sua culpa no evento, e quem sabe puni-la por isso. É um verdadeiro atentado contra sua saúde mental, considerando que a maioria das mulheres experimenta sensação de culpa pelo abortamento, independentemente de sua responsabilidade nele, e sintomas de depressão e luto que, sem tratamento, podem inclusive agravar-se para um quadro de depressão clínica. Apontar o dedo para esta mulher em busca de sua parcela de culpa no evento é violar o direito constitucional de não sofrer tratamento cruel, desumano ou degradante.
Proibição e criminalização de pesquisas com células-tronco: a pesquisa com células-tronco embrionárias, realizada com embriões fertlizados ”in vitro”, é de enorme importância na busca de cura para doenças hoje consideradas incuráveis, como a distrofia muscular progressiva (doença que gera degeneração dos músculos, culminando em comprometimento dos músculos cardíacos e respiratórios), diabetes, doenças neuromusculares, renais, cardíacas ou hepáticas. Ela é realizada com embriões que seriam descartados por clínicas de fertilização in vitro. O Supremo Tribunal Federal decidiu em 2008 que esse tipo de pesquisa não viola o ”direito à vida” do embrião, pois este direito é inexistente, e integra o direito fundamental à saúde. Já que o Estatuto do Nascituro pretende punir qualquer violação ao ”direito à vida” de embriões, inclusive os fertilizados in vitro, o Projeto passa por cima da interpretação do STF, guardião e intérprete maior da Constituição, viola o direito inviolável à saúde, e pretende reinstaurar a vergonhosa situação em que embriões que poderiam salvar vidas eram descartados no lixo.
Petição: http://womensrights.change.org/petitions/view/rejeite_o_estatuto_do_nascituro_proteja_a_saude_das_mulheres_e_a_terapia_com_celulas-tronco_2