domingo, 22 de agosto de 2010

Auschwitz anímico


Conforme comentado a alguns, hoje escrevo sobre o aborto. Assunto delicado, que envolve tanto implicações de ordem ética e moral quanto religiosas, o aborto conclama a população esclarecida a debater calorosamente sobre o assunto. Para restringir-me a um campo e não delongar muito o texto, disserto a respeito das incoerências religiosas defendidas por alguns anti-abortistas. O primeiro argumento, amplamente defendido pela Igreja, é o de que durante a concepção, o embrião recebe uma alma e, portanto, uma individualidade espiritual distinta de qualquer outro ser vivo.

Inicialmente, convém ressaltar alguns pontos aparentemente desconhecidos ou ignorados por esses religiosos, como o fato de estatisticamente de 2/3 a 3/4 dos zigotos não se nidarem efetivamente no útero materno. Assim, partindo do pressuposto de que as almas já estivessem presentes nos embriões, haveria um verdadeiro "holocausto anímico" e um desperdício do esforço divino para instaurá-las em seus receptáculos. Religiões distintas da católica, que adotam a metempsicose (transmigração das almas) são mais felizes e poderiam postular que o indivíduo, apesar de morto, teria outra chance em uma vida posterior. Mesmo que relevemos esse ponto e admitamos que 100% dos óvulos já fencudados fixem-se no endométrio e não haja aborto espontâneo, o conceito de alma e seu surgimento durante a vida não resiste por si só. Uma pergunta que faço a mim mesmo é a respeito do tempo que esses espíritos levam para efetivamente entrarem
em seus receptáculos, se levam mais tempo as meninas (48º dia), como afirmou São Tomás de Aquino, ou os meninos (40ºdia).

Esse tipo de argumentação, supersticiosa e sem evidência alguma, torna prosaico demais o desenvolvimento embrionário humano e gera problemas sociais graves. O método abortivo, apesar de amplamente criticado por alguns, se visto sob uma ótica pragmática e utilitarista torna-se louvável. A razão disso é justificada não só por gravidezes indesejadas gerar desagração familiar, comprometimento do futuro individual, mas também por, caso a prática abortiva seja efetivamente penalizada, haver o sobrecarregamento da máquina estatal. Se supormos que todas as pessoas que praticassem o aborto fossem devidamente processadas e presas, seria necessária , segundo Mário Francisco Giani Monteiro e Leila Adesse, a construção de 5,5 presídios por dia, ou seja, um enorme gasto aos cofres públicos e um mau-investimento, considerando-se o número de problemas pelos quais passa nosso país. Soma-se a isso o número de abortos clandestinos, que são de fato uma preocupação à saúde pública e a quantidade de recursos financeiros utilizados durante o tratamento de mulheres que passaram por um processo abortivo invasivo, desprovido de assepcia dos instrumentos cirúrgicos e amplamente perigoso. Portanto, seria sensato uma abordagem lógica a respeito do aborto, desprovida de qualquer caráter religioso, mais pragmática e utilitarista, para que possamos de fato aumentar a qualidade de vida populacional e não sobrecarregar a máquina do Estado.

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