domingo, 31 de outubro de 2010

Fatos e inverdades


Fim de eleições, momento oportuno, portanto, para discutir um assunto deveras natural: mentiras. Propagar inverdades não é uma característica inerentemente humana, pelo contrário, ao observar-se a natureza, torna-se trivial a citação de exemplos que ilustram o quanto a Evolução favoreceu organismos mentirosos. A mentira está em toda parte: vírus enganam o sistema imunológico de seus hospedeiros, plantas dissimulam para livrarem-se de seus predadores, animais blefam para conseguir alimento. Mentir está praticamente inscrito no DNA.

Apesar de práticas inverossímeis ser lugar-comum no mundo natural, é o homem, artista maior, o capacitado de pronunciar maior número de inverdades para favorecer-se em situações diversas. Alguns estudos sugerem que bebês de seis meses já são capazes de simular choro para atrair a atenção de seus pais e que, em uma mera conversa de dez minutos entre adultos, são pronunciadas não menos que três mentiras por parte de cada um inserido no diálogo. Mas por que fazemos isso? Por que temos tamanha predisposição em não dizer a verdade?

Das pintas do leopardo à camuflagem do camaleão, a natureza rescende a engodo. É evolutivamente vantajoso faltar com o que é factual. Seja com mentirinhas inofensivas, como elogiar a comida de uma anfitriã, seja com práticas mais ardilosas como mentir por auto-promoção, falsificar os fatos proporciona ao homem vantagens psicológicas para lidar consigo mesmo. O bom e velho autoengano é, nesse caso, uma ferramenta poderosa para o ser humano continuar com seu cotidiano, serve como acalento para suas desilusões amorosas, para suas crenças religiosas, para seus momentos de desespero e de perdas materiais. É mais fácil mentir que encarar os fatos.

Estamos sedentos para crer em uma vida após a morte, em um consolo para a efemeridade de nossa existência, em um significado maior para nossa estada na Terra e, frequentemente, estamos dispostos a apelar ao sobrenatural para explicar nossos porquês existenciais. O autoengano, contudo, apesar de faltar, comumente, com a verdade, foi fundamental para nossa sobrevivência. Cientistas estudiosos de casos depressivos, por exemplo, chegaram a conclusão de que pessoas que fazem uma avialiação realista demais de si mesmas, são mais propensas a manifestarem quadros de depressão. Além disso, evolutivamente, nossos cérebros estão muito propensos a aceitar como verdade quaisquer declarações que cheguem até nós e, apesar de, na maioria das vezes elas serem mesmo verdadeiras, seria muito custoso para nossa espécie duvidar de tudo que ouvimos. Psiquiatras classificam como paranóicos indivíduos que duvidam até de sua própria sombra.

A mentira é, portanto, um costume comum não só entre nós, ditos racionais, mas também no mundo natural como um todo. Nossas inverdades, apesar de mais ardilosas que a dos demais organismos, não nos torna distintos dos outros animais, das plantas, dos protozoários, das bactérias, dos vírus, mas ilusta nossa insegurança quanto a assuntos desconhecidos e servem como ferramentas para nosso consolo.

domingo, 17 de outubro de 2010

Por que voto em Dilma Rousseff


A primeira razão que me faz votar na canditada do PT é o fato de não ser simpático ao PSDB. Seja com FHC e seus programas de privatizações, seja com José Serra e sua não-discussão a respeito da tributação regressiva, ambos tucanos primam por um governo com propostas de caráter elitista, que negam a realidade brasileira. O PT de Lula, ao contrário, mostra o quanto a sigla dos trabalhadores é mais madura e enxerga os empecilhos de nosso país. Afinal, foram 21 milhões de brasileiros que deixaram a miséria e outros 32 milhões que ascenderam a classe média, números pouco menores que a somatória da torcida do Flamengo e do Corinthians. Só para não parecer cabeça-de-planilha, é bom ressaltar que isso representa uma queda de quase metade da pobreza no Brasil. Alguns podem estar se perguntando "mas não seria melhor se a miséria tivesse sido erradicada?". Claro que seria, mas o problema é que 8 anos é muito pouco tempo para solucionar um problema que aflinge o país há séculos. Assim, seja durante o perído colonial, no qual a sangria do país era feita por Portugal por meio do Pacto Colonial, seja durante a Repúblia Oligárquica, quando a concentração fundiária brasileira foi consolidada, a desigualdade social foi construída muito cedo em nosso país e não é possível, em um curto governo, que esses empecilhos seculares sejam resolvidos. Além disso, ouso afirmar que um voto a favor de um candidato tucano serve como apoio à desigualdade da destribuição de renda, como suporte a tributação relativa em menor grau para os mais ricos e o aumento da massa de miseráveis que ainda assola o Brasil.


Algumas pessoas negam os fatos ao chamarem o governo Lula de assistencialista e populista. Caso assim seja, o assistencialismo torna-se o primado de qualquer governo europeu, que por excelência, tem uma política de Estado mínimo capacitada de garantir educação para todos, de assegurar um programa de saúde efetivamente qualificado, de oferecer moradia para os menos capacitados, etc. É complicado apoiar os governos europeus, que regem seus países por meio da melhoria da qualidade de vida dos menos favorecidos, e taxar o governo petista como assistencialista, com uma política paternalista demagógica. Ademais, é conveniente também ressaltar que o conceito de populismo pode ser pouco aplicado ao Brasil de hoje. Governos populistas, como foram os de Vargas, Perón e Cárdenas relizaram políticas nacionalistas de substituição de importações, estatização de atividades econômicas, imposição de restrições ao capital estrangeiro e eram caracterizados por um culto a personalidade do presidente. Lula, contudo, apesar de ter um índice de aprovação governamental que beira os 80%, não freou o capital internacional, não estabeleceu um vínculo emocional e não-racional com o povo (as estatísticas de desenvolvimento provam bem isso) e não promoveu passeatas, desfiles nos quais cartazes gigantescos com sua foto seriam símbolos de idolatria pela classe operária. Chamar o governo petista de populista, portanto, é negar a definição histórica de populismo político.

Agora que falei tanto de Lula e praticamente nada de Dilma, alguns devem estar se perguntando: "isso tudo o que você disse foi o governo do atual presidente, como uma candidata com um histórico político tão pobre, sem carisma e expressivdade alguma, pode garantir o desenvolvimento de nosso país?". Combato esse argumento lembrando que é inocente demais afirmar que, em nosso país, a figura do presidente é preponderante e de suma importância, a ponto de ofuscar os demais poderes. Convém lembrar que vivemos em uma democracia e não em uma ditadura, que nosso governo possui, graças a Montesquieu, três poderes e que o legislativo exerce papel fundamental em uma instituição democrática como a nossa. Assim, rogo do pressuposto de que, por a câmara alta e baixa do Congresso estar, atualmente, repleta de representantes da base aliada do PT, o governo de Dilma não será solitário, mas apoiado pela maioria dos constituintes dos demais poderes. De mais a mais, dizer que Dilma é a sombra de Lula parece negligenciar o fato de que a candidata, como ministra, acompanhou de perto o governo lulista e que, no mínimo, apoiou tudo o que o atual presidente fez, seja quando alavancou o consumo interno, por meio da redução do IPI, e assegurou que o Brasil não fosse afetado fortemente pela crise imobiliária norte-americana, seja com o fato de nós termos nos tornado não mais devedores, mas credotes do FMI. Não nos esqueçamos também que Dilma tem uma trajetória singular, como também tiveram FHC e Lula, visto que foi guerrilheira, torturada durante a ditadura e lutadora a favor de um governo democrático.

Por último, a candidata petista tem meu voto pelo programa do PT no que tange o ensino universitário. É inegável que FHC, durante seu governo neoliberal, fez com que brotassem várias instituições privadas de ensino, muitas destas sem qualidade alguma, que podem ser caracterizadas como verdadeiros negócios oportunistas. Então, acho racional, como uma pessoa que almeja a vaga em uma universidade pública de qualidade, o apoio ao governo petista, que nos últimos anos investiu massivamente nas instituições públicas de ensino. Lula, por exemplo, teve papel fundamental na criação de universidades como a UFTM, UFABC, UFT, UNIFAL, unipampa, etc. Creio, portanto, que seria mais construtivo, como estudante, que o próximo governo continuasse a investir largamente em educação de qualidade, que aumentasse o número de instituições de ensino superior públicas, que gerasse maiores oportunidades de acesso à educação para aqueles com baixa renda e que fomentasse práticas como aumento salarial para professores da rede pública. Acredito, também, que proposta tucana nenhuma é capaz de satisfazer o que almejo e que um governo que prime pelo continuísmo do atual é, no mínimo, melhor que a manutenção das elites no poder.