sábado, 18 de dezembro de 2010

Auto-mutilação e falta de diálogo


Imagens como essa falam por si só. Religião sendo levada a seus extremos por um garoto que pouco deve conhecer sobre racionalidade e que foi, com efeito, provavelmente alienado por uma crença fundamentalista e pouco racional. Com essa imagem e esse pequeno texto gostaria de colocar em pauta um assunto por vezes pouco discutido no Brasil, qual seja, a irracionalidade e os perigos gerados pelas religiões.

O debate sobre a credibilidade da religião no país é ainda como a presença daquele grande elefante na sala, um incômodo como foi as discussões sobre sexo nas décadas passadas. Mas por que tudo isso? Por qual motivo discutimos política, falamos sobre futebol e debatemos a respeito de gostos musicais, mas, quando o assunto é crenças religiosas o campo torna-se mais arriscado e a discussão murcha? Qual a diferença em dizer "prefiro os filmes de Kubrick aos de Scorcese e detesto os de Jodorowsky, que são experimentais demais para meu humilde gosto cinematográfico" e perguntar "por que você acredita em Jeová e não crê em Thor, Odin, Osiris, Zeus? Por quais motivos é conveniente crer em entes tão improváveis como deuses?". A diferença, talvez, resida no fato de que discutir religião tornou-se um tabú tão forte que, caso alguém o faça, essa pessoa estará, automaticamente, proferindo uma ofensa à crença do outro e será vista como alguém desrespeitoso e mal-educado. Contudo, esse relativismo é capenga demais. Afinal, qualquer um pode sentir-se ofendido ao ter uma música que gosta, ou então, um filme muito querido criticado. A religião deve ser debatida de forma racional, como se fosse um assunto qualquer e não como um conteúdo restrito, blindado a críticas. Partindo desse pressuposto, alguns aspectos das doutrinas religiosas, como o extremismo da auto-mutilação, da flagelação e das diversas mortes causadas em nome de crenças fanáticas devem estar em pauta, caso queiramos construir uma sociedade mais humanista.

Pergunto-me até que ponto essas práticas extremadas são sadias ao corpo e à mente dos praticantes. É claro que é direito inviolável do homem a liberdade de poder fazer o que bem entender consigo mesmo desde que essas atitudes não impliquem em danos a terceiros. Caso a mutilação seja um desejo individual, então, a liberdade de ir e vir assegura ao praticante o direito à auto-flagelação. No entanto, apesar de a liberdade ser inalienável, os adeptos de rituais religiosos extremos, majoritariamente, estão imersos em uma cultura que prima pouco pelo racionalismo e que são, freqüentemente, fundamentadas em práticas religiosas antigas. É aí que a situação torna-se mais complicada. Os que cresceram em locais nos quais a auto-mutilação corporal é algo comum, certamente tiveram pouco contado com o secularismo, o racionalismo e foram moldados, involuntariamente, de acordo com os costumes locais. O ponto que ressalto aqui é a infeliz falta de opções dos moradores dessas comunidades praticantes de extremismos religiosos, os quais, talvez, caso fossem menos influenciados pelos valores da comunidade, não seriam favoráveis à auto-imolação. Uma pessoa ciente das implicações de seus comportamentos e atitudes é bastante diferente de um indivíduo ignorante das práticas diferentes das suas e inocente quanto às conseqüências de suas atividades culturais.

A discussão sobre religião torna-se, então, muito conviniente. Seja com o objetivo de informar aqueles que desconhecem os preceitos distintos de suas culturas, seja com o intuito de promover o humanismo e o secularismo; os debates religiosos devem sair do obscurantismo e passar ao casual, como é feito nas conversas a respeito de futebol, música e cinema. Ademais, a criticidade é fundamental caso objetivemos o desenvolvimento de uma sociedade menos irracional, menos marcada pelo fundamentalismo religioso e por práticas extremadas como a auto-mutilação.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Rio, drogas, Tropa de Elite e Olimpíadas


Depois de quase um mês sem publicar nada, escrevo hoje um pouco sobre a violência no Rio de Janeiro, o tráfico de drogas, Tropa de Elite e a respeito das Olimpíadas de 2016. Comecemos com uma pequena análise do cérebro humano e a tremenda vulnerabilidade que esse órgão de 1,4Kg tem, apesar dos milhões de anos de evolução, a certas substâncias entorpecentes. A realidade bioquímica a que nosso encéfalo está exposto é complexa, porém, grosseiramente, é possível dizer que tudo o que sentimos, seja dor, seja ansiedade ou prazer; está diretamente condicionado aos diversos neurotransmissores a que nosso córtex cerebral é submetido. Serotonina, dopamina, noradrenalina são apenas alguns dos muitos nomes de substâncias capazes de conduzir o impulso nervoso de um neurônio ao outro e, indiretamente, comandar nosso humor, nossos desejos, nossas angústias. Drogas psicoativas podem ser estimulantes como a cocaína, que levam o usuário a estados de euforia ou então alucinógenas como o LSD, que atua desequilibrando o balanço dos neurotransmissores, destruindo o equilíbrio criado por experiências pessoais e reativando lembranças já esquecidas, muitas das quais seriam traumáticas demais para se ter qualquer recordação. Em síntese, são substâncias que instauram o caos em uma peça de ballet hormonal, cuidadosamente planejada com base em anos de vivência.

Agora, depois dessa análise simples a respeito da vulnerabilidade do cérebro humano quanto às drogas, as atitudes proibitivas do Estado no que tange os narcóticos seriam, com efeito, justificáveis sob o ponto de vista biológico. Contudo, creio que analisar os fatos sob a ótica biológica é ser simplista demais. Existem questões sociais, civis e de ordem econômica que inclinam-me quanto a ser favóravel à legalização das drogas e que, mesmo sabendo de nossas fraquezas bioquímicas, fazem-me contestar afirmações contrárias a insticionalização do comércio de entorpecentes.

A premissa maior de que parto é a de que deve haver limites para a interferência do Estado na vida das pessoas. O que digo é que é irracional demais a existência de um contrato social no qual o Governo arbitra sobre o que um cidadão pode ou não ingerir e que, a liberdade de ir e vir e de se dizer o que pensa devem ser prerrogativas invioláveis. No mais, distante dessa convicção filosófica, há também questões sociais e econômicas que devem ser pensadas.

O tráfico de drogas é, como o comércio de qualquer substância ilegal, altamente rentável. Os gastos exorbitantes do Estado para combater o tráfico, como é feito hoje no Rio, não só serve para elevar o preço da droga e gerar mais dividendos para os traficantes, mas também funciona como alimento para a milicia corrupta, brilhantemente retratada em Tropa de Elite 2. Foi estimado, por um estudo acadêmico citado na Folha que a indústria da droga empregue 16 mil pessoas na cidade do Rio de Janeiro (mais do que a Petrobras) e movimente R$ 633 milhões anuais (mais do que o setor têxtil do estado). Assim, com lucros tão vultuosos, não é de se espantar não só o número de jovens que dão suas vidas pelo tráfico, em busca de uma fonte de renda fácil, como também a tentativa de nossas "empenhadas" polícias de abocanhar um pedaço desse mercado.

A legalização das drogas seria, nesse caso, uma forma não de acabar com todo tráfico (atitude praticamente impossível), mas de minar e reduzir os dividendos gerados pela venda de entorpecentes. De mais a mais, haveria também queda do número de policiais corruptos e a redução dos gastos estatais com repressão. Parte dos tributos arrecadados com a venda dos narcóticos (uma empresa estatal, uma Narcobrás, teria que ser criada para administrar o comércio), assim, poderia ser destinada ao auxílio de dependentes químicos que buscam reabilitação e o elevado contingente de viciados passaria de criminosos para doentes, agora tratados como problema de saúde pública.

Outro empecilho criado pela criminalização das drogas é a violência que assola os morros e que vitima pessoas completamente alheias ao tráfico. O cenário dantesco exposto pela mídia nos últimos dias serve como reflexo claro da violência extremada que a polícia é capaz de cometer, em nome da ordem e do zelo pela segurança nacional. O que assistimos recentemente foi um verdadeiro "Tropa de Elite 3", uma invasão do morro extremamente desumana, na qual os criminosos foram ora massacrados, ora executados. Não defendo traficante e não sou favorável às práticas dos comandantes dos morros, mas ouso dizer que o que as UPP fizeram foi pura carnificina. Independentemente de ser bandido ou não, ser humano nenhum merece morrer de costas e desarmado. O que o BOPE fez na favela não foi nem aplicação de pena de morte, foi execução pura e simples, sem direito a julgamento algum, como se o ser humano fosse nada mais que um animal a ser abatido. Várias pessoas estão no tráfico não por escolha, mas por falta de opção e por descaso do Estado, que além de oferecer poucas oportunidades para os moradores dos morros, os oprime de forma violenta, invade e destrói a casa dos alheios ao tráfico.

O que vejo nisso tudo é a vontade desesperada do governo fluminense em mostrar serviço e preparar o estado para receber a copa e, futuramente, as Olimpíadas. Questiono-me se isso tudo surtirá efeito e se, em 2016, a cidade do Rio tornará-se, realmente, maravilhosa. Pergunto-me também até quando os problemas sociais evidentes que assolam os morros serão tratados com descaso pelo Estado e até quando obras de infraestrutura serão postergadas. Há um dilema, uma enorme incerteza quanto ao preparo do Brasil para os eventos internacionais futuros.