quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Arquétipo artificial

Com o advento da cirurgia plástica e o barateamento desse processo estético, tornou-se lugar-comum, na sociedade contemporânea, o hábito de moldar o corpo humano. Desde procedimentos simples como o branqueamento dos dentes, até práticas mais elaboradas e ortodoxas como a remoção de costelas para o afinamento dos quadris, as pessoas almejam obterem um fenótipo diferente dos seus, uma fenocópia que adeque-se aos padrões de beleza vigentes. Contudo, é frequente também o descaso ou a ignorância dos pacientes que desejam mudar seus corpos, pois são, majoritariamente, indivíduos míopes quanto às complicações que intervenções cirúrgicas podem trazer não só a sua condição física, mas também a sua auto-estima.

Transtornos como anorexia e bulimia, por exemplo, motivam pessoas de peso adequado a realizarem procedimentos cirúrgicos invasivos, como operações para redução de estômago, sem qualquer motivo aparente. Ademais, soma-se ao desespero do paciente anoréxico por fazer uma cirurgia desse porte, o espírito capitalista e inconsequente de alguns médicos, que aprovam, não poucas vezes, a atitude de garotas que sofrem de transtornos alimentares, enebriadas por seu quadro clínico. Cirurgias, por serem atividades delicadas que, frequentemente demandam que seja aplicada anestesia geral, não devem ser efetuadas ao bel prazer do paciente, mas devem sim ser feitas em último caso, quando não houver mais opções ao tratamento da doença, como é o caso de angioplastias, cateterismos, colocações de marca-passo, etc.

Amantes de plásticas, nesse caso, por contrariarem a literatura médica e arriscarem-se a cirurgias complicadas apenas por vaidade, parecem desprovidos de bom-senso. Não é sabido arriscar a própria vida por tendências de modas efêmeras, que não duram mais que uma geração e que podem, fatalmente, gerar consequências nefastas não só para o corpo, mas também para a auto-estima dos pacientes. Afinal, quem é que nunca soube de casos de cirurgiões plásticos, dotados de pouco talento, que deixaram cicatrizes irreparáveis no corpo de adolescentes ou até mesmo, por descuido, as mataram, como foi o caso do Dr. Hekel, médico desta cidade de Uberaba. Ademais, é conhecido como as tendências estéticas são mutáveis e como variaram durante as várias eras da existência humana; haja visto o padrão de beleza clássico, por exemplo, no qual mulheres obesas eram sinônimo de idolatria, em contraste com o arquétipo magro da mulher contemporânea.

Por fim, é fato que a cirúrgia plástica e a preocupação estética pessoal, se vistas sob uma ótica ponderada e sadia, são construtivas ao homem. Seja com a reconstrução facial de acidentados para posteriormente reinserí-los na sociedade, seja com a pesquisa dos genes responsáveis pelo envelhecimento corporal humano, a medicina avança no sentido de proporcionar conforto e longevidade àqueles que almejam uma qualidade de vida melhor. A ciência, assim, apesar dos contra-tempos gerados pelo mau uso da cirúrgia plástica e pelos ditames da moda contemporânea, é benéfica para os que buscam o bem-estar físico e mental.

Na sociedade atual, portanto, as pessoas são, não raramente, tão inocentes quanto aos riscos em potencial proporcionado pelas cirúrgias plásticas e cegas quanto à efemeridade da moda a ponto de submeterem-se a processos cirúrgicos, por vezes invasivos, com o intuito de adequarem seus atributos físicos aos ditames efêmeros vigentes. Soma-se a isso os problemas acarretados por operações mal-sucedidas, que podem estigmatizar fisico-psicologicamente esses pacientes aventureiros, que buscam, invariavalmente, formas de inserirem-se na sociedade moldada pela moda.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Peleguismo educacional


O ENEM desse último fim de semana têm causado um tremendo reboliço. Seja com os problemas das provas amarelas, seja com a inversão das disciplinas no gabarito e o despreparo dos fiscais, muitas vezes inocentes quanto às regras do concurso, o Exame Nacional do Ensino Médio, novamente, mostrou-se um fiasco. Apesar de Fernando Haddad insistir em manter o último exame em voga, o ministro da educação parece míope quanto aos parcos atributos da educação brasileira e insistente no que tange um modelo de prova pouco promissor aqui, dado que o ensino brasileiro é ainda precoce demais para aportar propostas tão ambiciosas quanto as do novo Enem. Não foi sagaz mirarmos em países mais desenvolvidos que o nosso, dotados de níveis educacionais muito superiores e tentarmos clonar modelos de exame que não condizem ainda com o perfil do contingente discente brasileiro. Assim, ouso afirmar que, caso não façamos uma reforma drástica na educação, principalmente na base do ensino, não teremos maturidade suficiente para fazermos um ENEM digno de louvor, um exame seletivo que prime, de fato, pelo entendimento do conteúdo em detrimento da memorização.

Como estudante a algum tempo, pergunto-me se isso tudo vai mudar. Indago-me se meus filhos e netos vão ter ainda que passar pelo que passo, se vão ser lecionados por professores mecânicos, que conhecem, na maioria das vezes, somente suas disciplinas e que têm uma visão tão estreita do mundo ao ponto de tratarem as demais matérias como menos importantes; um conceito obtuso, haja visto que, majoritariamente, esses docentes desconhecem os campos do ensino distintos dos seus. Questiono-me se meus descententes vão ter que aprofundar tanto em trigonometria caso almejem uma carreira em biomédicas, se terão de estudar ciências sem saber ao certo quais são os princípios do método científico, ou então serão obrigados a absorver o conhecimento sobre evolução sem, de fato, compreender a beleza e a sutileza do processo evolutivo. Sinceramente, preocupo-me com a imutabilidade do ensino brasileiro e com número de colegas não-leitores que tenho, desprovidos de curiosidade e de sede pelo conhecimento e penso ainda que isso tudo seja talvez reflexo da educação que tivemos, deficitária em diversos aspectos.

Afirmo que tive poucos professores inspiradores, capazes de transformar conhecimento em poesia e que fui ensinado, principalmente, por pessoas maquinistas, com uma visão restrita da inter-relação entre as disciplinas básicas. Conheci poucos docentes que passaram documentários em sala de aula, que promoveram bons debates posteriormente sobre o filme e que foram capazes de citar fontes variadas para os curiosos pesquisarem e extraírem mais conhecimento sobre o assunto. Pelo contrário, foi lugar comum em minha vida estudantil o mesmo ambiente escolar enfadonho, sempre marcado pelas aulas tradicionais com o professor lecionando no quadro negro e os estudantes, bovinamente, fazendo suas anotações e fingindo que estão aprendendo.

Não sou pedagogo para dizer qual a melhor forma de reformar nosso ensino, mas digo por experiência própria que uma reforma deve ser feita urgentemente, uma reformulação principalmente no que tange a formação do professorado. Ademais, parece que tornar-se docente no Brasil está fácil demais, principalmente caso o dotado de licenciatura deseje trabalhar na rede públia, cujo crivo é bem menos seletivo que o da rede privada. Talvez uma melhor remuneração dos docentes resolva parte do problema, pois com o aumento salarial é possível haver maior oferta no mercado de trabalho e, consequentemente, mais opções para os empregadores. Contudo, creio que faz-se necessário também a melhor formação dos que desejam tornarem-se professores e maior incentivo à leitura por parte do Governo nas escolas não só públicas, mas também nos colégios privados. Seria racional que o Estado realizasse medidas capazes de reduzir o preço do livro impresso.

Em síntese, para que o ENEM seja administrado de forma racional e que o exame seja vantajoso, é primordial, primeiramente, uma reforma no ensino brasileiro. Não adianta desejarmos um modelo de prova que privilegie o entendimento e abomine a memorização se nosso ensino básico ainda prima pela alienação. Uma mudança nas diretrizes dos parâmetros curriculares das escolas em conjunto com a melhor remuneração e qualificação do professorado talvez seja uma das maneiras de se solucionar, parcialmente, o problema.