sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Peleguismo educacional


O ENEM desse último fim de semana têm causado um tremendo reboliço. Seja com os problemas das provas amarelas, seja com a inversão das disciplinas no gabarito e o despreparo dos fiscais, muitas vezes inocentes quanto às regras do concurso, o Exame Nacional do Ensino Médio, novamente, mostrou-se um fiasco. Apesar de Fernando Haddad insistir em manter o último exame em voga, o ministro da educação parece míope quanto aos parcos atributos da educação brasileira e insistente no que tange um modelo de prova pouco promissor aqui, dado que o ensino brasileiro é ainda precoce demais para aportar propostas tão ambiciosas quanto as do novo Enem. Não foi sagaz mirarmos em países mais desenvolvidos que o nosso, dotados de níveis educacionais muito superiores e tentarmos clonar modelos de exame que não condizem ainda com o perfil do contingente discente brasileiro. Assim, ouso afirmar que, caso não façamos uma reforma drástica na educação, principalmente na base do ensino, não teremos maturidade suficiente para fazermos um ENEM digno de louvor, um exame seletivo que prime, de fato, pelo entendimento do conteúdo em detrimento da memorização.

Como estudante a algum tempo, pergunto-me se isso tudo vai mudar. Indago-me se meus filhos e netos vão ter ainda que passar pelo que passo, se vão ser lecionados por professores mecânicos, que conhecem, na maioria das vezes, somente suas disciplinas e que têm uma visão tão estreita do mundo ao ponto de tratarem as demais matérias como menos importantes; um conceito obtuso, haja visto que, majoritariamente, esses docentes desconhecem os campos do ensino distintos dos seus. Questiono-me se meus descententes vão ter que aprofundar tanto em trigonometria caso almejem uma carreira em biomédicas, se terão de estudar ciências sem saber ao certo quais são os princípios do método científico, ou então serão obrigados a absorver o conhecimento sobre evolução sem, de fato, compreender a beleza e a sutileza do processo evolutivo. Sinceramente, preocupo-me com a imutabilidade do ensino brasileiro e com número de colegas não-leitores que tenho, desprovidos de curiosidade e de sede pelo conhecimento e penso ainda que isso tudo seja talvez reflexo da educação que tivemos, deficitária em diversos aspectos.

Afirmo que tive poucos professores inspiradores, capazes de transformar conhecimento em poesia e que fui ensinado, principalmente, por pessoas maquinistas, com uma visão restrita da inter-relação entre as disciplinas básicas. Conheci poucos docentes que passaram documentários em sala de aula, que promoveram bons debates posteriormente sobre o filme e que foram capazes de citar fontes variadas para os curiosos pesquisarem e extraírem mais conhecimento sobre o assunto. Pelo contrário, foi lugar comum em minha vida estudantil o mesmo ambiente escolar enfadonho, sempre marcado pelas aulas tradicionais com o professor lecionando no quadro negro e os estudantes, bovinamente, fazendo suas anotações e fingindo que estão aprendendo.

Não sou pedagogo para dizer qual a melhor forma de reformar nosso ensino, mas digo por experiência própria que uma reforma deve ser feita urgentemente, uma reformulação principalmente no que tange a formação do professorado. Ademais, parece que tornar-se docente no Brasil está fácil demais, principalmente caso o dotado de licenciatura deseje trabalhar na rede públia, cujo crivo é bem menos seletivo que o da rede privada. Talvez uma melhor remuneração dos docentes resolva parte do problema, pois com o aumento salarial é possível haver maior oferta no mercado de trabalho e, consequentemente, mais opções para os empregadores. Contudo, creio que faz-se necessário também a melhor formação dos que desejam tornarem-se professores e maior incentivo à leitura por parte do Governo nas escolas não só públicas, mas também nos colégios privados. Seria racional que o Estado realizasse medidas capazes de reduzir o preço do livro impresso.

Em síntese, para que o ENEM seja administrado de forma racional e que o exame seja vantajoso, é primordial, primeiramente, uma reforma no ensino brasileiro. Não adianta desejarmos um modelo de prova que privilegie o entendimento e abomine a memorização se nosso ensino básico ainda prima pela alienação. Uma mudança nas diretrizes dos parâmetros curriculares das escolas em conjunto com a melhor remuneração e qualificação do professorado talvez seja uma das maneiras de se solucionar, parcialmente, o problema.

3 comentários:

  1. Não acredito que o exame foi um fiasco. Fizeram todo um sensacionalimso e tornaram o problema ainda maior do que ele realmente é. Vários problemas, questões anuladas, gabaritos questionados, problemas com inscrições, entre outros fatores, acontecem todos os dias em vários vestibulares. No entanto, ninguém fica fazendo barulho e reclamando disso.

    Não gosto e sempre me sinto ofendido quando alguém diz que não é possível uma prova nos modelos de exames como o SAT americano. O Brasil tem todas as condições de aplicar um exame desses, apesar do pessimismo e preconceito do brasileiro. E a aplicação ou não de um exame como a do ENEM pode não resolver a maior parte dos problemas da nossa educação, mas já é um avanço que não precisa ter como pré-requisito uma "educação avançada", talvez seja até o contrário, a ampliação e o fortalecimento do ENEM pode ser uma das bases para se ter tal educação.

    Veja o próprio SAT, que é um ENEM nos EUA. Várias vezes foram relatados problemas com o exame, ano passado teve um problema com as notas de alguns alunos, será que por isso devemos supor que a educação do EUA não é "avançada" o suficiente para aplicação de tal modelo, será que os americanos estão sendo pretenciosos?

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    Como disse em uma de minhas postagens: o ensino nas escolas, principalmente nas particulares, é feito de acordo com o vestibular. Veja o caso aqui da região, nos é ensino História da Filosofia e História da Sociologia, por causa de uma tal de UFU, que cobra isso em seu vestibular, apesar da maioria dos projetos pedagógicos e livros didáticos do ensino médio trazerem uma abordagem bem diferente do ensino dessas matérias. Então acho que não difícil de chegar a conclusão de que é o vestibular que determina o que é realmente ensinado em sala de aula e a forma com tais coisas são ensinadas.

    Por isso, acho que no momento em que o ENEM passa a cobrar matérias que não são comuns nos demais vestibulares e tenta (mesmo que na prática acabe não sendo bem assim) valorizar mais o raciocínio, as escolas se verão forçadas a mudar a forma de ensino. No ENEM deste ano caiu assuntos relacionados ao povo indígena brasileiro, matéria que consta nos livros didáticos, mas costuma ser desprezada nas sala de aula, principalmente nos colégios particulares que desprezam o uso dos livros didáticos e valorizam o uso de apostilas, que são mais focadas e diretas e que trazem lucros maiores para as escolas.

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  2. Ruan, concordo com você que houve sensacionalismo quanto a repercução dos problemas do ENEM, afinal houve problemas em apenas 0,06% dos testes, quantidade ínfima em comparação com o número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio. Acho complicado também esse número de passeatas estudantis, que condenam o ENEM com fundamentos pouco contundentes. Contudo, você há de convir que além dos erros técnicos, houve também despreparo dos fiscais e outros problemas minoritários, o que colocou em xeque o princípio da isônomia, fundamental em qualquer concurso. Assim, penso que o ENEM foi sim um sucesso em termos e que talvez eu tenha exagerado ao taxá-lo como "fiasco", mas ressalto, em contrapartida, que o exame foi prejudicial a uma pequena parcela da população brasileira, o que é injusto segundo as normas do concurso.

    No que tange a condição do ensino brasileiro, permaneço insistente ao afirmar que nosso país é ainda imaturo demais para aportar provas como o SAT. Enxergo que o ENEM talvez seja uma maneira, apesar de lenta, de moldar o ensino nacional mas creio que uma reformulação, independentemente da pressão do Exame Nacional do Ensino Médio seja mais vantajosa, "a priori". Em um país em que comentarista de futebol opina sobre educação, sistemas como o "Standart admissions test", que são feitos 7 vezes ao ano e que, majoritariamente, são realizados via internet, são ainda futuristas demais para nosso país. Primeiro pelo número de brasileiros que ainda não têm acesso a computadores e outros aparelhos eletrônicos e segundo pelo desapreço do cotingente populacional brasileiro ao estudo.

    Para não delongar muito meu comentário, tentarei ilustrá-lo por meio de um texto que li recentemente e achei fantástico. Vou colocar o link aqui para os interessados: http://physicsact.wordpress.com/2009/03/27/richard-feynman-e-o-ensino-da-fisica-no-brasil/

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  3. Em relação ao professor (principalmente da rede pública), posso afirmar com uma certa convicção que 80% do problema está no salário destes. Cursos de todas as formas estão sendo oferecidos pela prefeitra/estado para melhor preparação na didática e no conhecimento. Porém como sempre "batem na tecla errada", não que todos os professores não precisem deste curso, porém é impossível falar em boa qualidade sem você ter um bom incentivo, até porque não é fácil alfabetizar e formar crianças que muitas das vezes vem sem nenhuma educação dada em casa. Ou seja, os professores ainda fazem uma desgastante função de educadores além de lecionarem. Com um baixíssimo salário (como é o de hoje), não tem como falar em coisa boa, pois o professor também é ser humano e precisa além de sustentar sua casa, ter um objetivo financeiro a alcançar, o professor também tem que sonhar em ter um bom carro, uma boa casa, educação de alta qualidade para seus filhos e isso só pode acontecer com um salário significantemente mais alto do que o atual.

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